quarta-feira, março 25, 2009

Um poeta da ruralidade homenageado em Santo Tirso



No termo de mais uma iniciativa que já trouxe a Santo Tirso em edições anteriores poetas como Ramos Rosa, Cruzeiro Seixas, Manuel António Pina, António Osório e Tolentino de Mendonça, coube a vez de acolher no “A Poesia Está na Rua”, na sessão que se realizou na noite do passado dia 20 de Março, o poeta transmontano Manuel Pires Cabral.

Apresentado nesta sessão pelo presidente da Câmara que fez a descrição do seu currículo e da sua obra em que avulta a poesia, a dramaturgia, o ficcionismo, a tradução mas também obras de caráter de recolha etnográfica, linguística e da cultura local transmontano-duriense, este homem de cultura, licenciado em filologia germânica que, foi professor e tem exercido funções de assessor na câmara de Vila Real, tendo sido um dos organizadores das Jornadas Camilianas da Câmara de Vila Real, foi já um dos laureados do Prémio Dom Dinis atribuído pela Casa de Mateus.

Na alocução que dirigiu aos presentes, o poeta homenageado manifestou a sua estranheza inicial pelo convite que lhe foi dirigido, alegando que, quando foi convidado por Alberto Serra, o comissário desta iniciativa que tinha como paradigma a indústria têxtil expressa no logótipo “Pano p’ra Mangas”, a sua primeira reação foi de recusa dado que se considerava “um poeta de contemplação e da tradição rural”, alguém que “estava nos antípodas deste certame que pretende louvar a fiação, a tecelagem, a confeção, o design têxtil” e que na sua própria “carta genética tem inscrita a lavoura” e que na sua terra quando se falava em panos só se sabia que vinham ‘lá de baixo’, considerando que “só a omnipresente agricultura” passava de facto pela sua obra poética. No entanto, acabou por assentir na justa medida em que a sua obra poderia, através de um exato contraponto, contribuir para realçar esse paradigma de um mundo urbano, do operariado industrial celebrado pelo “neorealismo” e de que, “na insuficiência tola dos seus 20 anos tratou num único poema, poema esse dedicado aos Ceifeiros”. Apesar das reservas inicialmente colocadas ao convite, acabou por reconhecer a sua presença como uma honra e um prazer, já que era um tributo aos poetas e à poesia e que esta começava a entrar nos hábitos de consumo como algo “imperioso, necessário e urgente” para dar à vida a transcendência que merece.

O segundo momento desta sessão ocorreu nos átrios da Câmara com uma singela e muito significativa “performance poética” que, através da projeção de imagens, de movimentação cénica e de um fundo musical original e criativo, deu sugestividade à declamação do poema “Os Ciganos” do autor homenageado, declamação feita pelo comissário da iniciativa, o mediático repórter da televisão Alberto Serra.

O terceiro momento, decorreu no Clube Tirsense com uma “ceia poética” e o arranque para uma noite de poesia em que vários protagonistas habitualmente ligados ao evento das “24 horas de Poesia” deram voz aos poetas e que, este ano, passou por locais como o antigo edifício da cadeia e a Fábrica do Teles, simultaneamente com a projeção de curtas metragens e uma série de miniespetáculos.

A COBRA

E então o Senhor disse à serpente:

Serás maldita e deslizarás.
todos os animais domésticos e ferozes te
Odiarão. Rastejarás, serás
Motivo de escândalo para as outras criaturas,
Terra comerás quotidiana.
Alimentar-te-ás das presas que tomares
Por tua manha. Abrirás
Desmedidamente a boca para comer -
Pois o fruto defeso hás revelado.

Habitarás da terra os lugares quentes,
Contra a neve e o gelo não prevalecerás,
Pois te arrefeço o sangue;
O inverno te será adverso e assim
Todos os rigores da mulher e sua descendência
Que, com pavor dos teus dentes astutos,
Procurará esmagar-te a cabeça
E fracturar-te a espinha com o calcanhar
E assim a teus filhos e aos filhos
De teus filhos. E –
Pois inventaste a nudez –
A pele despirás pela vida fora.

Meus desígnios goraste e o pecado
Inauguraste – pelo que
Tuas próprias escamas te serão prisão,
O parto te será redondo e desconforme,
Te secará um pulmão,
Crescerás em peçonha e em vergonha
E assim seja até à
Consumação dos séculos.

A. M. Pires Cabral
Do primeiro livro publicado
“Algures A Nordeste, Catálogo de Feios, Simples e Humildes”, 1974

[TEXTO: LUÍS AMÉRICO FERNANDES. FOTO CEDIDA POR CÂMARA MUNICIPAL DE SANTO TIRSO]

3 comentários:

jose disse...

Desta mania de fazer carregar os inocentes animais com o ónus das desditas humanas, nem mesmo os poetas escapam...
Desta "ruralidade" se aproveitam os chico-espertos para conseguirem levar a água aos seus moinhos.

José Machado disse...

Desta mania de fazer carregar os inocentes animais com o ónus das desditas humanas, nem mesmo os poetas escapam...
Desta "ruralidade" se aproveitam os chico-espertos para conseguirem levar a água aos seus moinhos.

José Machado disse...

Desta mania de fazer carregar os inocentes animais com o ónus das desditas humanas, nem mesmo os poetas escapam...
Desta "ruralidade" se aproveitam os chico-espertos para conseguirem levar a água aos seus moinhos.